Em 2005, aos 75 anos, minha avó materna foi diagnosticada com Doença de Alzheimer. As suspeitas começaram através da minha mãe e o diagnóstico oficial foi feito pela neurologista.
Atualmente minha avó está com 82 anos de idade.
Por sorte minha mãe, que é filha única, detectou os sintomas (lapsos de memória) bem no início, o que fez com que o tratamento se iniciasse rápido. A neurologista realizou muitos testes e, juntamente com o laudo da psicóloga e do psiquiatra, fez o diagnóstico de Alzheimer e, dessa forma, minha avó começou a ingerir diariamente um medicamento controlado, fornecido pelo SUS, que é responsável por "estacionar" a doença (esqueci o nome do medicamento, que foi mudado posteriormente). Importante ressaltar que o medicamento NÃO faz a doença regredir, ou seja, a pessoa não "melhora" após iniciar o tratamento, apesar "estaciona" no estágio em que já está, o que também não é definitivo, pois a doença continua a evoluir, porém, de forma muito mais lenta.
O medicamento que ela toma diariamente nos dias atuais, que é voltado especificamente para a Doença de Alzheimer, é o Eranz 10mg (Cloridrato de Donepezila).
Os primeiros anos com a doença foram bastante toleráveis. Os lapsos de memória persistiam, mas nada que prejudicasse severamente a sua rotina. Importante ressaltar que, por orientação dos médicos, nós NUNCA revelamos à minha avó o diagnóstica de Alzheimer. Como ela sempre sofreu de depressão severa, os médicos acharam que ter consciência desse diagnóstico poderia piorar a situação. Então, até hoje, ela não sabe que sofre desse mal.
Também é importante citar nesse relato que várias irmãs da minha avó TAMBÉM apresentaram sintomas da doença, apesar de nunca terem sido oficialmente diagnosticadas. Atualmente apenas 2 irmãs encontram-se vivas, e AMBAS apresentam sintomas da doença, o que indica claramente o aspecto genético do Alzheimer na família da minha avó. Outro detalhe importante é que TODOS na família da minha avó são extremamente depressivos e hipocondríacos.
O tratamento farmacológico mostrou bons resultados em todos esses anos, porém, alguns acontecimentos traumáticos na vida da minha avó foram suficientes para agravar terrivelmente a doença num curto espaço de tempo. Ficou bem claro para toda a família que as mudanças na rotina e no emocional botaram a perder anos de bom tratamento em questão de poucos meses.
Vou explicar: meu avô, que sofria de Insuficiência Renal Crônica e se submeteu à hemodiálise por quase 2 anos, era completamente dependente dos cuidados da minha avó e da minha mãe. Apesar das dificuldades, isso parecia manter a mente doente da minha avó "ocupada" o suficiente para que o Alzheimer não evoluísse de forma tão drástica! Mas, a partir de Maio de 2012, com o falecimento do meu avô, notamos de imediato a piora das condições mentais da minha avó (aumento dos lapsos de memória, mudanças comportamentais e delírios). Apesar dessa piora, a situação se manteve razoavelmente estável até início de Dezembro, quando, até então, minha avó ainda morava sozinha na sua casa (que é vizinha da casa dos meus pais), acompanhada somente da minha tia avó Zenaide, irmã do meu avô. As coisas começaram a desandar quando essa tia avó (também idosa) sofreu uma queda, fraturando o fêmur, o que acarretou numa internação longa, uma cirurgia e a posterior mudança dessa tia avó para uma Casa de Repouso. Logo em seguida foi a vez do acontecimento que seria o marco definitivo e implacável na doença da minha avó: ela também sofreu uma queda, fraturando o braço e um osso do quadril.
Esse foi o divisor de águas nas nossas vidas e na vida dela.
Foi assustadoramente impressionante como a Doença de Alzheimer piorou com a queda e a fratura do braço. Um dia depois, a memória da minha avó simplesmente se deteriorou a ponto de não se recordar absolutamente NADA sobre a queda e sobre qualquer acontecimento recente! Minha mãe tentou levá-la para nossa casa, o que acarretou em várias crises nervosas, choros e agressões verbais. O resultado foi que desde o dia 21 de Dezembro de 2012 tivemos que levá-la de volta à sua casa e, desde então, minha mãe passou a ficar ao seu lado 24h por dia. Minha avó não aceitou ficar na casa dos meus pais.
Desde o início ela demonstrou a evolução do Alzheimer tendo crises nervosas todas as tardes e efetuando tentativas intermináveis de arrancar o gesso do braço quebrado. Ela nunca se lembrava que havia sofrido uma queda e fraturado o braço. Ela foi submetida a uma cirurgia e tudo simplesmente se apagou de sua memória. Sua agressividade com minha mãe, sua principal cuidadora, aumentou de forma assustadora, a ponto dela chegar a agredi-la fisicamente e depois dizer a todos que foi minha mãe quem a agrediu! Eu e meu pai, que estamos ali, vivenciando a situação, vemos como minha mãe é paciente e amorosa, porém, aos olhos da minha avó, minha mãe é um monstro que a maltrata e agride. Essa é a ilusão que o Alzheimer criou em sua mente - mais uma triste característica dessa terrível doença!
Atualmente estamos em 28 de Janeiro de 2013 e, após retirar o gesso do braço que sofreu a fratura, uma nova e pior fase da doença se iniciou: em alguns momentos do dia, especialmente no final da tarde, minha avó começa a ter crises nervosas e não reconhece sua própria casa. Ela pede desesperadamente para que a levemos de volta para sua casa, o que acaba acarretando em crises de choro e agressividade. Todos os dias isso se repete e algumas vezes conseguimos "contornar" a situação retirando ela da sua casa (algumas vezes colocando ela no carro e dando uma volta no quarteirão) e levando-a de volta em seguida! Normalmente isso é o suficiente para que sua mente se situe no espaço e ela se recorde que aquela é realmente sua casa!
Minha mãe dorme com ela todas as noites, porém, ela afirma categoricamente para TODOS que fica o dia todo sozinha. Sua mente parece ter sofrido um bloqueio nos dias que antecederam sua queda e ela não se recorda que, desde o dia 21 de Dezembro de 2012, minha mãe e eu revezamos dormindo com ela TODOS OS DIAS. Ela não se recorda que fraturou o braço. Ela não se recorda de praticamente NADA desde então.
Além desse notável e diário esquecimento sobre onde é sua casa e a confusão em não reconhecer o ambiente em que se encontra, ela também começou a não reconhecer as pessoas próximas, como eu, sua única neta. Em vários momentos do dia ela conversa comigo e percebo que ela fala como se eu fosse outra pessoa.
- Alguns fatos importantes: eu não moro na mesma cidade que minha avó e meus pais. Há 10 anos me mudei para outro estado e viajo sempre que posso para vê-los e para ajudar minha mãe com a minha avó. No momento me encontro na casa dos meus pais e aqui ficarei por 1 semana. Cheguei no dia 26 e, desde então, estive praticamente o tempo inteiro com a minha avó.
- Mais alguns fatos importantes: minha mãe é filha única e não é rica. Meus avós também nunca foram ricos, pelo contrário, minha avó recebe pouco mais de 1 salário mínimo de pensão após a morte do meu avô. Resumindo: NÃO temos dinheiro para pagar um cuidador para ajudar com a minha avó o dia todo e muito menos para colocá-la numa casa de repouso - o que, de qualquer maneira, minha mãe não aceita. No momento meus pais pagam esporadicamente a mulher que faz faxina na casa deles (que já é praticamente da família, pois a conhecemos há mais de 15 anos) para ficar com a minha avó 1 dia na semana para que minha mãe descanse. No resto do tempo minha mãe cuida da minha avó SOZINHA, já que eu, infelizmente, moro em outra cidade. Meu pai ajuda no que pode, mas, basicamente, minha mãe faz tudo, o que é exaustivo e bastante estressante. Temo todos os dias pela saúde física e mental da minha mãe. Outro detalhe importante é que minha avó sempre foi uma pessoa de gênio difícil, extremamente nervosa e teimosa, o que piorou drasticamente com a Doença de Alzheimer.
Esse é apenas um resumo e algumas anotações da situação em que nos encontramos.
Os próximos posts serão de anotações sobre os acontecimentos do dia a dia com a minha avó e relatos meus e da minha mãe sobre nossa situação desesperadora.
Conviver com uma pessoa com Alzheimer é viver diariamente no limite. É angustiante. Nos sufoca. Minha avó se transformou em outra pessoa, num "ser" estranho que não consegue mais manter uma linha de raciocínio, um diálogo ou qualquer coisa parecida. As horas do seu dia variam entre surtos de depressão, raiva e exaustão.
A única coisa que posso afirmar com toda certeza é que aquela pessoa não é mais a minha avó.
Aquela não é a mulher que sempre considerei minha segunda mãe. Aquela mulher forte, decidida, pró-ativa, que sempre tomou a frente de todas as decisões, que ajudou meus pais a me criar, essa mulher se foi. Em alguns momentos, muito raros, consigo enxergar alguns resquícios dessa pessoa, perdidos dentro daquele corpo doente. E isso me destrói, me corrói por dentro. Isso deixa meu coração em pedaços.
Finalizo esse primeiro post com um depoimento feito pela atriz Jodie Foster sobre sua mãe, que também sofre de demência.
Faço minhas suas palavras, com as devidas alterações:
"Vó, sei que você está em algum lugar dentro desses olhos castanhos e que há muitas coisas que você não vai entender. Mas esta é a mais importante que você tem que registrar: te amo, te amo, te amo. E espero que, eu falando três vezes, isso vai magicamente entrar na sua alma, encher você de graça e felicidade ao saber que você fez um ótimo trabalho na vida. Você é uma grande avó. Por favor, leve isso com você quando finalmente estiver pronta pra ir."